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O fim do carnaval do Recife

Quando algumas pessoas começarem a ler este texto, e isso influenciadas pelo título um tanto quanto trágico, podem pensar que tal escrito foi concebido apenas para chamar a atenção dos leitores menos interessados. Muito deles nem imaginam que o fim do carnaval do Recife é uma triste e cruel realidade dos nossos dias.

A cada ano que passa, não consigo me distanciar da ideia de que a Prefeitura do Recife quer extinguir as agremiações de bairro. Ou, se não o fizer, talvez, quem sabe, enfraquecê-las paulatinamente. Não aceito a desculpa esfarrapada que, "devido à crise, este ano as coisas estão difíceis." NÃO! Já passamos por dias piores, e o processo de degradação das entidades carnavalescas é cada vez mais evidente.
Não nego o teor provocador dos meus textos, porém, não tenho a intenção de vibrar negativamente para a concretização de fatos lamentáveis como este, entretanto, penso unicamente em alertar para que algo seja feito urgentemente. Que as mentes "brilhantes" dessa terra de altos coqueiros possam fazer algo enquanto há tempo. 

Os meus amigos historiadores sabem muito bem que o grande carnaval do Recife começava nos arrabaldes onde residia as agremiações mais tradicionais, e de lá eram arrastadas para as ruas principais do centro. Ali, transitavam por vielas, becos e calçamentos estreitos, entidades e espetáculos humanos que hoje na lembrança transformaram-se em  corpos consagrados envelhecidos de saudade. Muitos deles, envolvidos por uma euforia musical revolucionária, todos em gestos largos e braços abertos, festejando a alegria de viver e de ser feliz. O tempo passou...

Atualmente, o carnaval de rua das agremiações representa apenas espaço para a promoção de desfiles inapreciáveis numa tacanha passarela na época momesca, que nada traduz dos cortejos triunfais de outrora, berços genuínos do nosso ritmo. Apresentam-se para um público mitigado, com muitas das agremiações compostas de integrantes visivelmente desmotivados, alguns tomados pelo álcool e diversos deles apressados em finalizar a peleja e retornar para a sua casa.  
Sem a ajuda devida e reféns de uma política devastadora das nossas manifestações, não podemos ver outra saída, a não ser o fim em breve.
Precisamos criar mecanismos de incentivo permanentes para as troças e clubes sobreviverem. Que as agremiações possam viabilizar recursos na iniciativa privada com o aval dos governos, e isso através de renúncia fiscal e sem burocracia. Ou quem sabe, com financiamento direto oriundo de um edital criado especificamente para esta área cultural. Fica aqui a sugestão para os responsáveis pelo Funcultura.

Enquanto isso não acontece, diversas agremiações tradicionais do Recife, instituições que são o nascedouro da nossa autêntica folia, e o ambiente que antes fez surgir grandes passistas, músicos e artistas dos mais variados talentos, hoje em dia, vivem sem força, recursos e sem qualquer apoio financeiro, morrendo aos olhos de quem pode e nada quer fazer. Vassourinhas e Lenhadores estão na inanição. Outras praticamente estão em decadência completa, como é o caso de Prato Misterioso, Toureiros em Folia, Cachorro do Homem do miúdo, e tantas outras. Das vezes quando saem às ruas, nem de longe demonstram a pujança que fazia o Recife tremer. Nas eleições, elas ressurgem nas intenções de quem quer usurpar um pouco do que ainda resta do seu valor simbólico, com representantes comunitários cada vez mais cooptados e influenciados a usar a agremiação a seu bel prazer, transformando-as em palanques eleitoreiros de políticos safados.
E neste contexto desolador, incluo também a situação da Troça Carnavalesca Mista O Indecente, agremiação fundada pelos Guerreiros do Passo no bairro do Hipódromo há 16 anos, e que não desfila há dois. E essa não foi a única lacuna na história da troça, houve outras.

A maior dor e tristeza para um carnavalesco, é não poder ver a sua folia se realizar, folia essa feita não exclusivamente para o seu prazer, mas, para a comunidade, para o povo. É uma vocação que alguns abnegados carregam em sua vida e permanecem fiéis. Já nasceram assim.
Fica a pergunta... Aquele processo todo para transformar o frevo em Patrimônio Imaterial do Brasil e da Humanidade, serviu de quê? Finalizou com as obras do Paço do Frevo? Querem que aceitemos a idealização de um Museu como o único fruto que simbolize todo o esforço implementado? Estamos longe disso! Se até as insígnias maiores das agremiações (estandartes), foram colocadas no chão, imagine como o negócio foi tratado.

O que fazer? Transformar-nos-emos numa filial do carnaval show da Bahia? Perdão, creio que já somos, veja o Galo da Madrugada, tem mais trios elétricos num dia de carnaval do que na cidade de Salvador. Potência sonora que não abre concorrência para nenhum carnaval pedestre, sendo uma disputa desleal para as orquestras de chão. Uma descaracterização criminosa contra agremiações que são as responsáveis pela divulgação, entre o povo das obras de compositores consagrados de Pernambuco.

Creio que ninguém da gestão atual ou das anteriores queira ser responsabilizado por tudo que vem acontecendo, e que as críticas possam ser vazias e partidárias. Absolutamente! Quem escreve aqui, é quem lida diariamente com esta arte, e não aceita que o assunto seja debatido como crítica infundada. E coisas escabrosas ainda precisam ser ditas. Usurpação da imagem dos artistas é uma das mais graves, atrasos de pagamentos; desvalorização de músicos e passistas; apadrinhamentos políticos; comissões e comitês culturais à serviços pessoais, e gente sem a mínima competência e comprometimento com o frevo, envolvidas em secretarias e gerências de cultura. Muitos recebendo status de profissionais "preocupados" com as manifestações populares, no entanto, o esforço maior é para manter seus privilégios e cargos comissionados, intermediados pelo prestígio de “amizades influentes”. 
Tudo gira em torno do desrespeito, do mais fácil, do lucrativo, da força das grandes cervejarias, e isso somente para alguns privilegiados. Os dirigentes e as famílias ligadas as agremiações centenárias estão envelhecidos e cansados, sem energia para continuar lutando. Se não houver a devida ajuda, será inevitável o fim!

Recife, 22 de janeiro de 2016.
Eduardo Araújo
Radialista, fundador e coordenador dos Guerreiros do Passo 

Um comentário:

  1. Isto é um raio-x de um moribundo que se debate em seu leito de morte.
    Também vejo esta inevitável sequencia final de uma cultura criada por mestres da música, capoeiras, negros e nativos. O nosso frevo, já cantado e declamado, está minguando. Exatamente depois de receber da UNESCO o título de Patrimônio Cultural da Humanidade. Anda meio esquecido pelas autoridades, que desfigurando-o, almejam destaques em seus novos e duvidosos projetos. Comandado por pessoas sem qualificação no ramo, o nosso carnaval está de mal a pior. Limitou-se aos espetáculos de palcos com uma raras apresentações das agremiações em locais pré determinados que não duram mais que 20 minutos. Nossas agremiações estão desvalorizadas e jogadas a própria sorte. Vassourinhas o grande cartão postal de Pernambuco, já é passado. Desfilando para confirmar presença é a maior prova da decadência do Carnaval de Recife, salvo os Blocos Líricos que se mantém independentes e mantidos por grupos extra governo. Como disse o Eduardo, é uma questão de mais dias menos dias. Eles não estão interessados em manter a nossa cultura viva do FREVO Pernambucano. (Geraldo Silva, um folião).

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